Crítica


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Sinopse

A vida e a obra de Luiz Melodia, um dos maiores artistas do Brasil. Da juventude no morro do Estácio até a consagração como um dos maiores cantores e compositores da música popular nacional.

Crítica

Segundo o dicionário, melodia vem do grego, e é o nome que se dá a uma sucessão coerente de sons e silêncios, que se desenvolvem em uma sequência linear com identidade própria. Ou seja, algo que dificilmente se aplicaria a um artista como Luis Melodia – afinal, termos como “coerente” e “linear” não costumavam fazer parte do seu repertório. No entanto, há algo com o qual era profundamente ligado: a uma personalidade singular, facilmente reconhecível e de forte impacto tanto entre os colegas como, principalmente, junto aos seus muitos admiradores. É a partir dessa leitura que Marco Abujamra desenvolve Todas as Melodias, um documentário que recai sobre temática já desgastada – o resgate audiovisual cinebiográfico de um expoente da música popular – mas que se desenvolve através de outros caminhos, evitando justamente a tal coerência e linearidade apontada lá em cima. E, assim, consegue não apenas espelhar uma figura ímpar, como também fazer jus a um artista realmente imortal.

Sem se preocupar em elaborar uma estrutura narrativa com início, meio e fim, preocupada apenas em enumerar os acontecimentos de uma vida acima de tudo rica – uma tarefa fadada ao fracasso – a partir de uma leitura wikipédica, Abujamra opta por trilhar caminhos não muito óbvios, ao mesmo tempo em que não se exime em fazer uso de elementos que sustentem essas voltas mais complexas pelas quais decide se aventurar. Assim, o espectador irá se encontrar com um Luis Melodia que é tanto imagem quanto som, uma presença fulgurante nos palcos e um homem até mesmo tímido quando em casa ou junto aos seus. É um mosaico, que vai se formando aos poucos, através de um relato colhido aqui, um depoimento que surge acolá, um vídeo de bastidores que vem para preencher importante espaço, e, por fim, um resgate proporcionado por uma imagem de arquivo. Um pouco de cada, e muito mais do que cada uma das suas partes em isolado.

A tarefa de ir compondo esse quebra-cabeça, portanto, recai sobre a audiência, que é tanto desafiada como reconhecida na mesma medida, seja por momentos preciosos com os quais é convidado a se deparar, mas também pelas pequenas surpresas que vai encontrando pelo caminho. Entre vislumbres raros do artista no palco, seu habitat natural, através do qual revela a desenvoltura que o manteve na ativa durante uma carreira de mais de cinco décadas, é possível vê-lo também em família, amigos e também em situações preciosas de entrega à arte, com um violão nos braços e a música que fluía naturalmente pela sua voz. Porém, quem se ocupa em discorrer impressões e verdades a seu respeito são os que ficaram, como a esposa, Jane Reis, que fala tantos dos sucessos como das passagens mais difíceis de um relacionamento de mais de quarenta anos, as irmãs, dispostas e revelar curiosidades e lembranças do âmbito familiar, e mesmo os filhos, em participações pontuais.

Ao lado desses depoimentos, que se encaixam na narrativa de forma nada impositiva, há ainda uma descoberta de imensa valia: um encontro antigo, dentre os quais se destaque o poeta Wally Salomão, um dos responsáveis por ter apostado no talento do jovem negro da comunidade da Estácio que, a partir dali, foi conquistar o país e o exterior. Como que clássicos do seu repertório, como a referencial Pérola Negra, ganharam corpo, vão vindo à tona como numa conversa de bar, sem pressa nem compromisso, ao mesmo tempo em que são intercaladas por performances dedicadas de nomes como Gal Costa, Céu, Arnaldo Antunes e Liniker. Os mestres e as revelações, diferentes lados de uma mesma moeda.

E é assim, sem se ocupar do básico, informações corriqueiras que qualquer pesquisa na internet pode apontar e, por isso mesmo, desnecessárias ao olhar mais profundo ao qual Abujamra se dedica, que Todas as Melodias não apenas encontra seu valor, mas também se mostra à altura do seu biografado. Um conjunto hipnótico, que reconhece tanto a arte como a sensibilidade de um cantor e compositor muito à frente do que talvez possa ser lido como seu tempo, seja pelo impacto que deixou naqueles que o seguiram como na força que demonstrou durante o tempo que por aqui transitou. Um filme preocupado com o antes e com o depois, com o que foi feito de importante e com a repercussão dessa criação, permitindo que o hoje seja ocupado por uma leitura nunca menos do que apaixonada, mas capaz de ir além da mera declaração: o que se tem é um reconhecimento, absolutamente justo e fervorosamente merecido.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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Robledo Milani
8
Chico Fireman
5
MÉDIA
6.5

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